quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O Tempo - Frei Luís de Sousa

O Tempo
Num texto dramático, o tempo em que decorre a ação é relativa­mente curto, na medida em que, na representação, muito tempo trans­forma-se em pouco tempo, dada a sua tendência para a concentração. O tempo de representação corresponde à duração da apresentação da peça em palco e é variável (entre uma a três horas).

Tempo da Diegese /ação
  •  Consiste no tempo durante o qual a acção se desenrola, segundo uma ordenação cronológica, e em que surgem marcas objectivas da passagem das horas, dias, meses, anos, etc.

Em Frei Luís de Sousa

  • A ação passa-se:
    •  Ato I - no dia 28 de Julho de 1599 (oito dias antes do segundo acto, cuja acção se passa no dia em que faz anos que desapareceu D. Sebastião):
    • Ao fim da tarde: «É no fim da tarde.» (didascálias no início do acto);
    • «- Mas para onde iremos nós, de repente, a estas horas? » (Madalena) Cena VI;

    •  Ato II- no dia 4 de Agosto de 1599: «[ ... ] faz hoje anos que ... casei a primeira vez, faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastião, e faz anos também que ... vi pela primeira vez a Manuel de Sousa.'» (Madalena) Cena X;
    • oito dias depois do Ato I: «[ ... ] Há oito dias que aqui estamos nesta casa [ ... ]. (Maria) Cena I;
    • durante o dia: «[ ... ] Ainda bem que viestes; mas de dia!...» (Maria) Cena 11;
    • numa sexta-feira: «-Sexta-feira!... Ai que é sexta-feira!» (Madalena) Cena V.

    • Ato III - na madrugada de 5 de Agosto de 1599:
    • É alta noite.' (didascália no inicio do acto); «[ ... ] São cinco horas, pelo alvor da manhã que já dá nos vidros da igreja .• (Jorge); «[ ... ] a luz desse dia que vem a nascer.' (Manuel) Cena I




Os antecedentes da ação situam a diegese no ano de 1599:
  • antes de 1578 - casamento de Madalena com D. João de Portugal;
  • 4 de Agosto de 1578 - Batalha de Alcácer Quibir; desaparecimento de D. Sebastião e de D. João de Portugal;
  • de 1578 a 1585 (7 anos) - tentativas frustradas para encontrar D. João de Portugal: «[ ... ) durante sete anos, incrédula a tantas provas e testimunhos da sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berberia ...» (Madalena) Acto I, Cena II;
  • de 1585 a 1599 (14 anos):
  • 1585 - Casamento de Madalena com Manuel de Sousa Coutinho: «[ ... ] eu resolvi-me por fim a casar com Manuel de Sousa [ ... ) vivemos [ ... ) seguros, em paz e felizes ... há catorze anos. [ ... ] » (Madalena) Acto I, Cena II;
  • 1586 - Nascimento de Maria: «[ ... ) Tem treze anos feitos, é quase uma senhora, está uma senhora ...» (Madalena) Acto I, Cena II;
  • de 1598 a 1599 - D. João de Portugal é libertado do cativeiro, onde viveu 20 anos: «[ ... ] morei lá [em Jerusalém] vinte anos cumpridos.»; «Há três dias que não durmo nem descanso nem pousei esta cabeça nem pararam estes pés dia nem noite, para chegar aqui hoje, para vos dar meu recado ...» ; «[ ... ) faz hoje um ano ... quando me libertaram [ ... ) » (Romeiro) Acto II, Cena XI;
  • 1599 - ano em que decorre a acção, ou seja, 21 anos depois dos aconteci­mentos descritos: «[ ... ) a que se apegou essa vossa credulidade de sete ... e hoje mais catorze ... vinte e um anos? »(Madalena) Acto I, Cena II.

Tempo Psicológico
• Trata-se de um tempo subjectivo, directamente relacionado com as emoções, a problemática existencial das personagens, ou seja, a
forma como estas sentem a passagem do tempo, vivendo momentos felizes elou infelizes.

Em Frei Luís de Sousa
• A acção desenrola-se rapidamente, havendo um crescendo dramático acelerado, no qual os medos e ansiedades das personagens se tornam cada vez mais evidentes, aumentando o seu sofrimento e a sua angústia face a uma tragédia iminente e incontornável.


Tempo Histórico
• Relaciona-se  com a época ou período da História em que se desenrola a acção.


Em Frei Luís de Sousa
Referências/alusões ao longo da obra:
  •  à Batalha de Alcácer Quibir: «O. João ficou naquela batalha com seu pai, com a flor da nossa gente.» (Madalena) Acto I, Cena II;
  • Reforma, meados do séc. XVI «... o homem é herege, desta seita nova da Alemanha ou de Inglaterra.» (Telmo) Acto I, Cena II;
  • Filipe II de Espanha, e aclamado em 1580, I de Portugal «...os governadores de Portugal por D. Filipe de Castela, que Deus guarde...» (Frei Jorge) Acto I, Cena  V, assim como a primeira didascália do acto I situa a acção nos finais do séc. XVI, início do séc. XVII;
  • à existência de peste, em Lisboa: «[ ... ] mas em Lisboa ainda há peste, ainda não estão limpos os ares ...» (Madalena) Acto I, Cena II;
  • ao mito sebastianista: «[ ... ] o da ilha incuberta onde está EI-rei O. Sebastião, que não morreu e que há-de vir, um dia de névoa muito cerrada ...» (Maria) Acto I, Cena III;
  • à opressão e às desavenças vividas em Portugal, após a perda da independência: «[ ... ] tomaram este incargo odioso ... e vil, de oprimir os seus naturais em nome dum rei estrangeiro! ... Oh, que gente, que fidalgos portugueses! Hei-de-Ihes dar uma lição [ ... ] .» (Manuel) Acto I, Cena VII;
  • a Bernardim Ribeiro: «Menina e moça me levaram de casa de meu pai [ ... ]. (Maria) Acto II, Cena 1- e a Camões: «-Oh! o meu Luis, coitado! Bem lho pagaram. [ ... ] Lá foi Luis de Camões num lençol para Sant' Ana. [ ... ]» (Teimo) Acto II, Cena I.


 Simbolismo de algumas referências temporais 
         * Sexta-feira e a sua carga semântica negativa: dia considerado aziago e fatal para D. Madalena: «Ai que é Sexta-feira» (II, 5) e «É um dia fatal para mim.» (II, 10)
* Coincidência ou não, todos os acontecimentos marcantes da vida de D. Madalena ocorreram à Sexta-feira: primeiro casamento, primeiro encontro com Manuel de Sousa Coutinho, Batalha de alcácer Quibir e desaparecimento e regresso de D. João.
Ambiente crepuscular e/ou nocturno, caracteristicamente romântico:
- «É no fim da tarde...» - didascália inicial do I acto
- «É noite fechada...» - didascália I acto, cena 7
- «É alta noite...» - didascália inicial do III acto.
      * A preferência pelos ambientes nocturnos, característica romântica, pode simbolizar a morte que se abaterá sobre a família, mas também sublinha um certo aspecto transgressor que envolve toda a história daquele núcleo familiar.
*  A permanência do número 7:
- 7 anos de procura de D. João;
- 14 anos de casamento com Manuel de Sousa Coutinho (7+7)
- 21 anos desde o desaparecimento de D. João (7+7+7)

       * 7 é o símbolo de uma totalidade: 7 foram os dias da criação do mundo, 7 são os pecados mortais e as virtudes que se lhe opõem, 7 são os dias da semana, 7 são as cores do arco-íris...

Sem comentários:

Enviar um comentário