Este
país não é para corruptos
Portugal é um país em salmoura. Ora aqui está um lindo
decassílabo que só por distração dos nossos poetas não integra um soneto que
cante o nosso país como ele merece. “Vós sois o sal da terra”, disse Jesus dos
pregadores. Na altura de Cristo não era ainda conhecido o efeito do sal na
hipertensão, e portanto foi com o sal que o Messias comparou os pregadores
quando quis dizer que eles impediam a corrupção. Se há 2 mil anos os médicos
soubessem o que sabem hoje, talvez Jesus tivesse dito que os pregadores eram a
arca frigorífica da terra, ou a pasteurização da terra. Mas, por muito que hoje
lamentemos que a palavra “pasteurização” não conste do Novo Testamento, a
referência ao sal como obstáculo à corrupção é, para os portugueses do ano
2010, muito mais feliz. E isto porque, como já deixei dito atrás com alguma
elevação estilística, Portugal é um país em salmoura: aqui não entra a
corrupção – e a verdade é que andamos todos hipertensos.
O hipotético suborno de Domingos Névoa estava ferido de
irregularidade, e por isso não podia aspirar a receber o nobre título de
suborno. O que se passou foi, no fundo, uma ilegalidade ilegal. O que,
surpreendentemente, é legal. Significa isto que, em Portugal, há que ser
especialmente talentoso para corromper. Não é corrupto quem quer. É preciso
saber fazer as coisas bem feitas e seguir a tramitação apropriada. Não é ato
que se pratique à balda, caso contrário o tribunal rejeita as pretensões do
candidato. “Tenha paciência”, dizem os juízes. “Tente outra vez. Isto não é
corrupção que se apresente.”
PEREIRA, Ricardo
Araújo, 2010. “Este país não é para corruptos”. Visão, nº 895, 29 de
abril de 2010 (p. 130)
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