O
imperador da língua portuguesa
Padre António Vieira, figura incontornável da língua
portuguesa, afirmava no Sermão de Santo António aos Peixes que “os
homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes que se comem
uns aos outros [...] e os grandes comem os pequenos”. Mal sabia o jesuíta que
esta alegoria se adequaria à sua vida. Depois de ter sido nomeado pregador da
corte por D. João IV, acabou perseguido e preso pela Inquisição, tendo-lhe
valido a proteção do Papa Clemente X.
Os seus dotes oratórios já tinham começado a dar nas
vistas quando, perante a ameaça de um ataque holandês, em 1640, pregou na Baía
um sermão aguerrido: “Pela vitória das nossas armas.” Reconhecido como aquilo a
que hoje se chamaria um autêntico especialista em comunicação, o jesuíta foi
escolhido para fazer parte da delegação que, em 1641, rumou a Portugal para
manifestar a D. João IV o apoio do Brasil à Restauração.
Em Lisboa foi o triunfo. Os seus sermões em linguagem
simples e clara, cheios de metáforas para melhor ilustrarem o que pretendia
comunicar, comoveram de tal forma o rei, que logo o nomeou pregador da corte,
com lugar cativo na capela real. Mas Vieira não se ficou pelas homilias: a
habilidade com que utilizava o púlpito para fazer passar a sua “agenda
política” não passou despercebida a D. João IV, que o incumbiu de delicadas
missões secretas no estrangeiro. [...]
O apoio de Vieira ao rei num litígio com os jesuítas fez
com que estivesse à beira de ser expulso daquela ordem religiosa. Para evitar a
expulsão voltou para o Brasil. No Maranhão, conviveu com os índios e
envolveu-se em disputas com os colonos que os escravizavam. Data dessa altura
(1654) o Sermão de Santo António aos Peixes.
Os colonos dispensavam o acicate de tão sonora “voz da
consciência” e, de armas na mão, obrigaram o padre a voltar a Lisboa, em 1661.
Não se deu bem. O seu protetor, D. João IV, mor- rera em 1657, e o conde de
Castelo Melhor, ministro do novo rei D. Afonso VI, desterrou-o quando soube que
Vieira conspirava a favor do infante D. Pedro.
Em 1662, a Inquisição abriu-lhe um processo, acusando-o de
ter opiniões heréticas. O pretexto foi o livro Quinto Império do Mundo, Esperanças
de Portugal, que escrevera ainda no Brasil, e onde anunciava a ressurreição
de D. João IV. Foi proibido de pregar e condenado a prisão numa das casas dos
jesuítas.
Salvou-o o golpe de Estado do infante D. Pedro, em 1667,
que destronou o irmão e lhe ficou com a mulher. Vieira foi libertado e partiu
para Roma, onde os seus sermões encantaram o Papa, os cardeais e a Rainha
Cristina da Suécia, que ali vivia depois de ter abdicado. Em Itália estreitou a
sua relação com os judeus e escreveu contra a Inquisição. Antes de voltar,
obteve do Papa Clemente X um salvo-conduto que impedia os inquisidores
portugueses de o incomodarem. Chegou a Lisboa em 1675, já com 67 anos. A
proteção papal foi preciosa: o Santo Ofício gozava agora dos favores do regente
D. Pedro (futuro D. Pedro II) e este ignorou o antigo apoiante. Magoado, Vieira
tratou da publicação dos sermões e regressou ao Brasil.
Ainda se envolveu na política local, voltando a defender a
abolição da escravatura dos índios e mergulhou na escrita profética. Morreu na
Baía, a 17 de junho de 1697, com quase 90 anos.
FERREIRA, João, 2010. Histórias
Rocambolescas da História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros (3.a
ed.) (pp. 255-257)
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